quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Entrevista com Zé Barbeiro parte 3

Entrevista com Zé Barbeiro - Parte 3...!

ZÉ BARBEIRO: Vão diminuindo...ela não diminui, mas a qualidade vai acabando, porque aquela garotada nova...

MARCELLO: Ainda não tem experiência...

ZÉ BARBEIRO: ...para encarar aquilo e os que ficaram estão...vamos dizer, numa faixa etária igual à nossa, deixa por motivos de trabalho, vamos dizer assim...

MARCELLO: Eu acho que é o principal motivo, é trabalho...!

ZÉ BARBEIRO: Não estudou direito ou então é muito hobbie, o violão é hobbie, o choro também...o cara é apaixonado, mas o cara levou aquilo como brincadeira e ele vai hoje numa roda e entra lá por brincadeira, não é, tipo assim, vai chegar o Izaías, o Ronaldo do Rio de Janeiro, vai chegar lá o Jorginho do pandeiro...! Se eles veem um pessoal que, realmente, é amador mesmo, eles não entram. Então, por esse motivo, a roda não acabou...! Acabou foi a qualidade, eu acho. Até essa molecada nova que está estudando pra caramba chegar e encarar, vai demorar um pouco, né! Porque tem muita molecada boa hoje...

MARCELLO: Tem, realmente, tem...! E isso que eu queria te perguntar: o nível do choro, não só em São Paulo, como em outros estados, em outras localidades, vem melhorando e vem vindo uma moçada muito boa que, dentro de muito pouco tempo, eles vão estar arrebentando. Você acha isso também?

ZÉ BARBEIRO: Eu acho que vou mais além ainda...! Eu estive em Belém do Pará - isso faz algum tempo já - com o Altamiro Carrilho e o prefeito, era uma festa - o prefeito levou o Altamiro Carrilho num bar e nesse bar não toca outro tipo de música, só choro! Ele começa sete horas da noite e termina sete horas no outro dia.

MARCELLO: Como é que é...!

ZÉ BARBEIRO: Sete horas da noite começa e termina no outro dia as sete horas...!

MARCELLO: Não me diga...! Doze horas de música...?

ZÉ BARBEIRO: Doze horas...!

MARCELLO: Direto...?

ZÉ BARBEIRO: Se não tiver ninguém, os caras ainda fazem uma saideira lá pelas quatro horas da manhã, eles fazem uma saideira para ir embora, mas nunca não tem ninguém, sempre tem gente e eles só fecham quando não tem mais ninguém. Então, normalmente é assim, sete horas já começa o bar...! E nós, eu e o Miltinho Tachinha do bandolim, estávamos com o Altamiro; eu, ele e o Marcelinho Galani do pandeiro. A gente que acompanhava o Altamiro nessas ocasiões! Nós chegamos lá depois do nosso show, por volta de umas onze, onze e meia, mais ou menos, e nós saimos de lá oito horas da manhã, tocando choro...!

ADEMIR SOARES: Onde é, em Belém...?

ZÉ BARBEIRO: Em Belém do Pará...! É um bar que só toca choro, não toca outra coisa, não. Só choro! Se mudou hoje, mudou hoje! Mas porque eu estou falando isso já de uns quatro anos atrás, três-quatro anos atrás...!

MARCELLO: Não, não mudou, inclusive o movimento de choro, pelo que a gente tem notícia, em Belém é muito forte...!

ZÉ BARBEIRO: Então esse bar continua, porque a gente queria tocar algo diferente, então o Miltinho tocou uma bossa-nova, o pessoal não deu muita atenção, ninguém falou nada, mas deu pra perceber que estava fora da praia. Eles querem choro...! Eu tenho conhecimento, por exemplo, pelo Armandinho da Bahia, que lá o Edson 7 cordas, dos Ingênuos, ele tem presenciado a criação de alguns grupos de choro jovens, de gente jovem, estudando pra caramba e ele é tido lá na Bahia como o veterano do 7 cordas, todo mundo vai lá com ele pegar dicas; então, ele falou que está muito forte o movimento de choro. Em Pernambuco a gente tem o Marcos Cesar que é o maestro da Companhia de Cordas, o choro lá tem o Adalberto do bandolim, lá está forte pra caramba, e o ponto maior, como todos sabem, o pessoal fala do Rio mas não é o Rio, o ponto maior é Brasília...!

MARCELLO: É Brasília, sem dúvida...!

ZÉ BARBEIRO: Eu estive lá também em Brasília, no Clube do Choro, tem, sem dúvida nenhuma, duzentos alunos...!

MARCELLO: Tem até mais, lista de espera, inclusive...!

ZÉ BARBEIRO: Então, mas duzentos alunos em condições de tocar...! Tem mais, tem uns quatrocentos alunos. Mas assim, já em condição de tocar, de não fazer feio, tem uns duzentos! Tem aqueles que se sobressaem, já tocando, já viajando para o exterior, inclusive o Reco que é o presidente do Clube do Choro, o filho dele tem um grupo bom que acompanha todo mundo que vai do Rio pra lá. São eles que acompanham, molecada nova, molecada com dezoito-vinte anos.

MARCELLO: Eu acho que Brasília com a Escola de Choro Rafael Rabello e a Escola Portátil de Música do Rio de Janeiro, são as duas melhores escolas que estão formando muita gente. Da mesma maneira que tem esse contingente grande de alunos se formando em Brasília, tem muita garotada se formando no Rio. São dois trabalhos belíssimos, os que eu mais conheço, e devem existir outras escolas por aí fazendo esse mesmo trabalho, mas me parece que as duas são as mais destacadas. Você acha isso também...?

ZÉ BARBEIRO: Com certeza, eu acho mais ainda...! Por exemplo, eu vou citar um lance pra você: na década de...até 80, que foi onde eu ingressei mesmo nesse negócio de choro e tal. Eu comecei a perceber que, de 1995 pra cá, o pessoal começou a estudar e a música baiana, eu vou dizer assim, a música do norte e nordeste em geral, ajudou muito! Aí você me pergunta porque que ajudou? Pois elas são ruins de doer. Aquela música lá me mata! Axé, aquele negócio ruim, muito ruim...! Então se eu sou um cara que estou a fim de estudar um clarinete, sou a fim de estudar um bandolim, um violão, eu não vou aprender aquilo...! Não tem nada...o professor, todo professor vai falar assim: "vai estudar choro, você tem que estudar choro..."!

MARCELLO: Se quer aprender música...!

ZÉ BARBEIRO: Se quer aprender música, porque choro? Porque choro tem o que você aprender. Então eu acho que a música do norte-nordeste, no geral, ajudou muito porque a partir de 1995 pra cá, todo mundo está estudando! Você vê essa molecada que está aí, eles leem tudo! Quantos anos tem esse rapaz aí, o Rodrigo...! Tem trinta anos, o outro tem vinte e seis anos, o do pandeiro, o Léo, tem vinte e quatro anos, eles leem tudo. (Aqui, Zé Barbeiro faz referência aos integrantes do seus conjunto). Então, quer dizer, eles se importam em estudar, ao contrário de 95 pra trás, creio eu, que o pessoal ia tocar choro como prazer..."- não, que estudar nada...vamos chegar lá, choro é tudo improviso..."! Porque teve uma frase, se não me engano, do Jacó do bandolim que o Danilo Brito se batia muito comigo sobre isso. O Danilo Brito eu o aconselhei a estudar um pouco, estudar música, porque ele tem um potencial espetacular, pra estudar um pouco. Ele falou: "Ah, isso não precisa! Você não vê o Jacó, ele falou que choro é improviso, tem que vir da cabeça..."

MARCELLO: Isto sem dúvida, mas...!

ZÉ BARBEIRO: Claro, meu amigo, mas a partir do momento que começaram a me chamar pra gravar e colocaram a parte na minha frente aí eu vi que eu não era nada. Eu não sou nada ainda porque eu estudei pouco! A minha carreira toda foi dentro de uma barbearia porque o meu pai exigia que eu trabalhasse e, se eu tivesse alguma hora de folga, eu fazia o que eu queria, algum tipo de esporte ou algum tipo de música, alguma coisa...mas no outro dia eu tinha que estar na barbearia naquela hora. Essa era a regra do meu pai! Não estou falando mal do meu pai, eu agradeço a ele até hoje porque me considero um homem, e isso eu devo a meu pai. Só que o meu pai, ele via um baterista chegar lá na barbearia falando assim pra mim: "Zé, temos um baile pra fazer lá em Mairinque...! Cara precisava ir hoje, será que não dá pra você ir lá..."? Eu falava: "puxa, ô pai, eu vou sair mais cedo hoje"...! "Porque você vai! Você não tem vergonha, não? Você sair com esse vagabundo aí, você tem que trabalhar..."! E falava assim na cara do músico...(risos)! Então, quer dizer, a gente foi criado...eu mesmo fui criado, tipo assim, a música pra mim é hobbie, pega o violãozinho aí vinha uma garota e falava: nossa como você tá tocando bem! Pra mim já era o tal, né! Agora, hoje não! Eu não estudei, hoje não, todo mundo está estudando. A partir do momento em que eu fui ao estúdio e o cara falou: "ó, tem um samba pra você acompanhar aí, o cahê é tanto, dá pra você ir..."? Pô, legal, eu vou, claro! Como é que é o samba...! É do Paulinho...? Não! É do Noite Ilustrada...? Não! É do Martinho...? Não! É novo o samba, tá aqui a parte! Ih, meu Deus do céu, e aí...! Eu falava assim: "canta aí só pra eu ver como é"...! O cara falava: "Não! Aqui não tem esse negócio de "canta aí"...! A parte tá aí, ó..."! Aí eu me ferrei, eu não sabia nem pra onde ir. Aí é que eu comecei. Isso faz tempo, rapaz! Comecei a estudar com amigos..."olha, como é que é isso aqui, me explica..."! Comprei livros, por minha conta mesmo fui indo, estudando e tal...! Hoje eu não vou falar que chego em um estúdio e gravo. Não! Mas também não passo vergonha, entendeu! Já não passo vergonha. Se o cara falar assim: "ó, tem uma gravação lá"...eu já falo antes...o que é pra gravar"...! Ah, é choro! Mas qual é a linguagem, é Radamés? É! Então não dá pra mim, porque é muita encrenca, é muita nota, eu já saio fora. Agora, se for um choro meio que... "dá uma olhada na parte"...! Aí eu vou lá olhar. Eu já não passo vergonha hoje, mas porque eu estudei e é o que tá fazendo essa molecada. Antigamente...quantos músicos que a gente conhece - uma grande parte já se foi e temos que relevar isso pela honestidade que temos com o elemento - o Carlos Poyares não sabia uma nota. Por esse motivo ele passou vergonha, um músico daquela qualidade, ele foi motivo de chacota, porque naquela época o cara ouvia e já saia tocando. "Você é bom pra caramba..."! Ele ouvia uma frase e já saia tocando. Só que é o seguinte: ele era bom mesmo, mas pra tocar assim, vamos ensaiar e vamos gravar lá, porque se pegasse uma parte...!

ADEMIR SOARES: O Zé levantou um aspecto interessante. Vou anotar e passar a olhar com outros olhos. E ratifica o ditado: "há males quem vem pra bem"...! Quando você falou esse negócio do axé e da lambada que foi um grande incentivo para o choro, porque o cara que escuta e quer aprender a tocar direito, é uma visão interessante! Que a gente sempre critica e continua criticando, mas teve esse lado bom dessa porcariada aí.

ZÉ BARBEIRO: Nunca ninguém falou sobre isso, eu é que analisei...!

ADEMIR SOARES: Exatamente, você está me dando uma visão que nunca imaginei que pudesse acontecer...!

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